quinta-feira, 12 de abril de 2018

EM MEMÓRIA: SOLDADO MANUEL FREIRE ROSA

1940 - 2018





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A travessia fora tão longa e difícil que provocou
na Tropa uma enorme necessidade de repouso
reconhecida por todos e pelo Comando
que autorizou à medida que a travessia se ia dando
a ida imediata para Quipedro, ao que o pessoal desejoso,
respondeu de pronto dirigindo-se à povoação que ocupou.
Ia ficando o pessoal ocupado nas duras tarefas
da travessia, ao qual se fazia uma justa rendição
de tempos a tempos, o que provocou catrefas
de trocas e baldrocas e muita confusão
entre quem seguira e quem ficara ou estava indo.
Foi assim, por entre todo este enredo
que entre o Rio Lué e Quipedro
o Soldado Rosa ficou dormindo.

Nunca na vida se vira tão sozinho no mundo
como quando acordou, do pesado sono oriundo,
e viu apenas a escuridão densa da mata
e sentiu o silêncio pesar toneladas
e um nó no peito que não desata
e um tremor de pernas derreadas
e um atropelo no pensamento
e uma mudez na fala
e um medo sem aguento
e uma fera ou uma bala
e uma cova ou uma vala
e um fim incógnito e inglório
sem velório
e um acordar do susto e da razão.
E ao analisar e medir a situação
reconheceu que apesar de só e perdido
ainda não tinha morrido.

Tinha passado aquele minuto de pesadelo
vivido, quando deu o primeiro passo
que lhe produziu um ruído como estranho
de propósito anunciando
a sua presença naquele espaço,
tal lhe parecera o barulho daquele gesto, pelo
que era preciso nem mexer um cabelo.
Em movimento lento ajeitou a farda
pôs o capacete e as cartucheiras
escutou o som da floresta e das clareiras
e agarrou na espingarda.
Com a alma feita em pedaços
prestes a ruir em escombros
ensaiou dar alguns passos
que lhe soaram novamente como guizos
e desse modo, pensou, eram precisos
que os pés fossem descalços.
Pôs as botas atadas aos ombros
veio à picada para ficar orientado
depois entrou na mata um bocado
medindo o peso de cada pegada,
caminhou sempre ao lado da picada
tentando abrir e vencer caminho,
vai tentando, tentando vai e vence-o
caminhando tão, tão de mansinho
que mal respira para não perturbar o silêncio.

Assim caminhou sempre como felino
que procura a presa,
neste caso uma esperança acesa
crente que não acabara o destino 
da sua alma de Soldado.
Depois de muito ter andado
numa solidão absoluta
pára, olha, ouve e escuta
ruído de motores e fala de gente
que aumenta lentamente
até ficar clara e ruidosa.
Eram os seus camaradas de Pelotão
que ao darem com o sobrevivente
caíram-lhe as lágrimas no chão
como água de uma torneira
regando Rosa dum jacto.
A morte ficou em jejum
naquela noite milagreira
que lhe deixou a vida e o corpo intacto
e de saúde, de que ainda hoje goza
o heróico Soldado raso 270/61
Manuel Freire Rosa.
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Excerto do poema "A Transposição do Lué  III" do livro de José Neves "O Esquadrão 149, a Guerra e os Dias"

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