sábado, 21 de abril de 2018

MORTO EM COMBATE




 Funeral e honras militares prestadas pelo 1º Pelotaão

No livro "História do Esquadrão de Cavalaria 149" do Dr. João Alves Pimenta editado em 1963 ainda em Luanda pode ler-se, sublinhado:

 
Era o Soldado nº 267/61 do 1º Pelotão do Esquadrão 149 e o Escoteiro do 2º Grupo dos Escoteiros de Portugal.
Morto em combate pelas 19H00 do dia 31 de Agosto de 1961pelo inimigo que, na picada para Quipedro e a 5Kms do rio Lué rodeada de mata cerrada, numa curva em cotovelo a 90º montou uma emboscada organizada com atiradores de frente e de lado relativamente à coluna militar.
O Aguiar vinha na 1ª viatura da coluna, um jipão, sentado ao lado do condutor e foi alvejado por tiro de arma de caça grossa com bala de corte cruzado na ponta que lhe trespassou e desfez o peito. No meio da coluna o inimigo atacou com armas automáticas FBP que abriram 23 buracos na carrocçeria da GMC onde vinham o Fur. Carita e o 1º Cabo Cardona.

 Sepultura do Soldado e Escoteiro Joaquim Ferraz de Aguiar
Em 1971, dez anos após ser morto em combate em Angola e enterrado à sombra de um imbondeiro junto do acampamento do Esquadrão 149 em Quipedro, os seus camaradas Escoteiros de Portugal empreenderam os trabalhos de trasladação do corpo para Portugal e deram-lhe uma sepultura condigna com todas as honras devidas no cemitério do Alto de S. João em Lisboa.

Uma investigação do 1º Cabo Cardona conseguiu não só constatar que o corpo do Aguiar havia sido trasladado de Angola para Portugal como localizar o memorial que representa a sua morada definitiva.
Certamente que, do Álém, o Aguiar há anos que espera que os camaradas de armas do Esquadrão 149, que foram seus amigos em vida e estiveram com ele no momento da morte, dêem sinal de sua amizade e camaradagem nesta sua nova morada.
Temos o dever de ir junto da última morada do Aguiar e deixar lá memória escrita de nós.

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Já nós subíamos o mesmo monte
que a coluna descia e levava às profundidades
do vale cerrado de mata (que foi o nosso Hades)
com o Rio ao fundo (que foi o nosso Aqueronte)
de águas caudalosas e a ponte destruída
que era a armadilha dos caçadores de vida,
quando um forte disparo se ouviu no ar.
Depois ouviram-se rajadas e as rajadas
do nosso lado, rajadas de morrer e matar,
rajadas de balas cruzadas,
rajadas cegas de brancos metidos numa gaiola,
rajadas falhadas de pretos a disparar e a dar-à-sola,
rajadas que deixaram marcas em viaturas furadas.

Mas foi o seco e forte disparo ouvido primeiro
quem deixou marca sangrenta de arrepiar.
Uma bala 12.7 rasgada na ponta entrou no peito
e saiu pelas costas feitas um buraco a sangrar
a vida e a alma e o futuro a que tinha direito
o Soldado 267/61, que fora o Escoteiro
Joaquim Ferraz de Aguiar.
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Excerto do poema "O Diário de Quipedro, o Lué IV" do livro "O Esquadrão 149, a Guerra e os Dias" de José Neves.          

quinta-feira, 12 de abril de 2018

EM MEMÓRIA: SOLDADO MANUEL FREIRE ROSA

1940 - 2018





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A travessia fora tão longa e difícil que provocou
na Tropa uma enorme necessidade de repouso
reconhecida por todos e pelo Comando
que autorizou à medida que a travessia se ia dando
a ida imediata para Quipedro, ao que o pessoal desejoso,
respondeu de pronto dirigindo-se à povoação que ocupou.
Ia ficando o pessoal ocupado nas duras tarefas
da travessia, ao qual se fazia uma justa rendição
de tempos a tempos, o que provocou catrefas
de trocas e baldrocas e muita confusão
entre quem seguira e quem ficara ou estava indo.
Foi assim, por entre todo este enredo
que entre o Rio Lué e Quipedro
o Soldado Rosa ficou dormindo.

Nunca na vida se vira tão sozinho no mundo
como quando acordou, do pesado sono oriundo,
e viu apenas a escuridão densa da mata
e sentiu o silêncio pesar toneladas
e um nó no peito que não desata
e um tremor de pernas derreadas
e um atropelo no pensamento
e uma mudez na fala
e um medo sem aguento
e uma fera ou uma bala
e uma cova ou uma vala
e um fim incógnito e inglório
sem velório
e um acordar do susto e da razão.
E ao analisar e medir a situação
reconheceu que apesar de só e perdido
ainda não tinha morrido.

Tinha passado aquele minuto de pesadelo
vivido, quando deu o primeiro passo
que lhe produziu um ruído como estranho
de propósito anunciando
a sua presença naquele espaço,
tal lhe parecera o barulho daquele gesto, pelo
que era preciso nem mexer um cabelo.
Em movimento lento ajeitou a farda
pôs o capacete e as cartucheiras
escutou o som da floresta e das clareiras
e agarrou na espingarda.
Com a alma feita em pedaços
prestes a ruir em escombros
ensaiou dar alguns passos
que lhe soaram novamente como guizos
e desse modo, pensou, eram precisos
que os pés fossem descalços.
Pôs as botas atadas aos ombros
veio à picada para ficar orientado
depois entrou na mata um bocado
medindo o peso de cada pegada,
caminhou sempre ao lado da picada
tentando abrir e vencer caminho,
vai tentando, tentando vai e vence-o
caminhando tão, tão de mansinho
que mal respira para não perturbar o silêncio.

Assim caminhou sempre como felino
que procura a presa,
neste caso uma esperança acesa
crente que não acabara o destino 
da sua alma de Soldado.
Depois de muito ter andado
numa solidão absoluta
pára, olha, ouve e escuta
ruído de motores e fala de gente
que aumenta lentamente
até ficar clara e ruidosa.
Eram os seus camaradas de Pelotão
que ao darem com o sobrevivente
caíram-lhe as lágrimas no chão
como água de uma torneira
regando Rosa dum jacto.
A morte ficou em jejum
naquela noite milagreira
que lhe deixou a vida e o corpo intacto
e de saúde, de que ainda hoje goza
o heróico Soldado raso 270/61
Manuel Freire Rosa.
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Excerto do poema "A Transposição do Lué  III" do livro de José Neves "O Esquadrão 149, a Guerra e os Dias"