quinta-feira, 18 de outubro de 2018

sábado, 22 de setembro de 2018

ALMOÇO-CONFRATERNIZAÇÃO ESQ. CAV. 149, 2018

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Caros Camaradas Combatentes do Esquadrão 149 em Angola entre 1961 - 1963, está marcado para Sábado dia 13 de Outubro próximo, em Évora no restaurante "Páteo Alentejano", o nosso tradicional almoço de confraternização anual.
Já vamos na comemoração de 57 anos passados do nosso embarque em Lisboa quando éramos jovens fortes inexperientes sem medo do futuro. E sem medo da guerra até que demos com ela de frente e tivemos de enfrentá-la com armas na mão, tiros e sangue de feridos à vista. 
Depois foram mais 27 meses sempre em zona de guerra ganhando experiência de combatentes e medos endurecidos na alma pelas mortes de cinco camaradas e cerca de seis dezenas de feridos entre os quais dez irrecuperáveis.
Entretanto, fomos perdendo os medos mas simultâneamente também muitos dos que regressaram connosco salvos e sãos e que foram às suas vidas de trabalho duro, saíram de suas aldeias e terras ou emigraram e nessa outra dura batalha foram desaparecendo por força implacável da natureza.   
A nossa próxima reunião em Évora dos sobreviventes do nosso Esquadrão 149, que foi único pelos feitos militares cometidos e pelo respeito da condição de inimigo de guerra, faz deste nosso convívio o momento certo para homenagear todos, quer os mortos nos combates de guerra  quer os mortos nos combates da guerra pela vida e existência contra o tempo.
Vamos pois, todos os que puderem, lembrar histórias e memórias desses tempos e experiências inesquecíveis que passámos juntos em memória dos que na guerra velaram por nós, e por isso, agora nos responsabilizam que velemos por eles.



quinta-feira, 23 de agosto de 2018

A GUERRA E OS SEUS MEDOS INESPERADOS



Ontem à noite deu-se o tradicional encontro-jantar de Agosto com o nosso conterrâneo gorjonense-São Brasense Almirante Martins Guerreiro antigo Concelheiro da Revolução e actual Director da Revista "O REFEENCIAL" da Associação 25b de Abril.
É um encontro de amigos de infância que agora é tradição, neste mês de férias, reunir as famílias para cavaquear acerca do que foi, é e poderá ser ainda o resto de nossas vidas em Portugal.
Estavam à mesa quatro combatentes da Guerra nas várias frentes coloniais e, por conseguinte, era inevitável falar dela e das histórias que cada um viveu e que a memória vai avivando à medida do correr da conversa.
O capitão Moleiro, às tantas, fala do grande medo que na Guiné um vez passara com o fogo amigo numa estrada às curvas apertadas onde a sua longa coluna apeada seguia tendo na frente um grupo de fuzileiros ainda inexperientes na guerra.
Logo a memória tomou conta da mente e esta começou a meditar acerca do meu maior e mais horrível medo de guerra passado também numa situação semelhante.

Atingido Nambuangongo na manhâ de 10 de Julho de 1961 logo na noite do dia seguinte o 1º Pelotão foi designado para ir a Zala buscar um "caterpiller" para integrar a operação de ocupação de Quipedro a iniciar na madrugada da noite da ida a Zala.
Quando chegámos de Zala com o bulldozer de madrugada já a coluna estava alinhada na picada em direcção a Quipedro, que distava cerca de 80 kms de Nambuangongo, zona montanhosa e de mata cerrada onde se julgava que o inimigo se tinha refugiado depois de derrotado nas suas praças fortes.
Mal nos juntámos na cauda da coluna à nossa espera na picada o Comandante deu ordem de arranque seguindo o lema adoptado para o efeito: "Segue, Segue, Vai Pró Chile" que imitava o gesto e dito pelo Soldado Mouraria que por sua vez imitava o cobrador do eléctrico Mouraria-Praça do Chile no qual ele se encavalitava à borla atrás quando era garoto.
A certa altura, íamos nós na traseira da coluna serpenteando às curvas subindo um morro alto quando de repente, lá na frente, a quilómetros de picada mas próximo em linha recta, se desencadeia um tiroteio intenso que parecia não parar mais.
As balas estrondavam nas copas das árvores e assobiavam por todos os lados em nosso redor na traseira da coluna parada no alto do morro.
Nunca, em outros tiroteios anteriores, tinha sentido um temor tamanho, uma tal ideia fixa de que alguém me estava tentando acertar no corpo para me matar, um medo tão brutal e irracional que olhava para mim para me certificar se já estava esburacado a deitar sangue do corpo.
Esta poderosa sensação mental irreprimível de iminência de morte originou um pavor horrível que durou muitos segundos. E o lento regresso ao estado normal durou minutos porque, não obstante o tiroteio continuar, a morte não se consumava e eu sentia-me continuar vivo o que me fez voltar os pensamentos ao racional.

Compreender-se-á, talvez, melhor a situação através da leitura do poema que exprime este episódio:

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Ia na última viatura da coluna, ao balouço
do cansaço da noite anterior sem dormir
quando de repente estremeço e ouço
um violento tiroteio e imensas balas a zunir
tão nítidas que pareciam passar rente aos ouvidos
ao corpo, às pernas e disparadas por alguém escondido
ali próximo e que estava a tentar acertar-me.
Desci do jipão agarrado à arma e fui colocar-me
entre a viatura e a barreira para ficar mais protegido
e tentar perceber donde vinham tantas balas e zunidos,
mas a ilusão dos sons e silvos das balas e dos disparos
era tanta que eu não conseguia discernir donde
vinham. Então o medo que em todos nós se esconde
soltou-se e fez-me viver um dos momentos mais raros
da minha vida na guerra colonial, senti medo, medo
e fiquei esperando que uma bala me atravessasse
o corpo em qualquer parte e a qualquer instante.
Não me lembro de pensar em nada de importante
nem de invocar o pai, a mãe ou Deus que me ajudasse
a não tombar ali entre Nambuangongo e Quipedro.
Não me enterrei no chão, mantive sempre os olhos abertos
redobrei a atenção e mirei tudo em redor
em estado de alerta e com os sentidos bem dispertos
e de arma na mão preparei-me para o pior.

Afinal o pior não era ali mas sim na frente
onde se dera a emboscada e se ouvia o tiroteio
e que devido às curvas e zique-zagues da picada
a frente e a traseira da coluna estavam a uma passada
de distância e em oposição com o inimigo no meio
que tinha feito dois feridos à nossa gente.
Ao ripostarem com armas automáticas, as nossas Tropas             
faziam assobiar as balas junto à traseira da coluna
e tão rente a nós que as ouvíamos assobiar uma a uma
além do estardalhaço que faziam ao embater nas copas
das árvores da floresta à nossa volta. Foi o enredo
de guerra que me fez apanhar o maior medo.
Dos nossos feridos havia um com muita gravidade
sangrava de forma ininterrupta e abundantemente.
Soubemos disso via rádio muito mais tarde
quando tudo já estava calmo e o medo ausente.
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Excerto do poema "Operação Frontal I" do livro "Esquadrão 149, A Guerra E Os Dias" de José Neves

terça-feira, 1 de maio de 2018

HOMENAGEM DO E. 149 AO DR. JOÃO ALVES PIMENTA

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No dia 28 de Abril de 2018 um grupo de antigos militares do Esquadrão 149 fez uma visita ao seu camarada de comissão na guerra em Angola Ten. Mil. Médico Dr. João Alves Pimenta em jeito de homenagem àquele que consideramos ter sido o mais forte e melhor de todos e um exemplo perfeito de Irmão mais velho que olhava e tratava todos com uma dedicação de mãe. Em Nome do Esquadrão falaram o Fur. Pires, enfermeiro auxiliar da "Secção Sanitária" do Esquadrão comandada e dirigida pelo Dr. Pimenta, o 1º Cabo Cardona e o Fur. Contreiras, co-autores da homenagem.
O Fur. Contreiras leu o seguinte texto:

 Viemos hoje aqui trazidos por nossa livre vontade e guiados por um sentimento de amizade e gratidão para com o Dr. Pimenta. 
Estamos hoje aqui juntos do Dr. Pimenta para lhe dizer de viva voz quanto o admiramos e respeitamos pela sua dedicação e entrega aos sábios cuidados de tratar os nossos males quaisquer que eles fossem. 
Sim, porque o Dr. Pimenta tratou com o mesmo empenho e eficiência quer os feridos no corpo pelas balas quer os feridos pela doença, pelo paludismo, pelo isolamento no mato, pelo esgotamento ou abatimento moral. 
E a verdade é que, fosse por que motivo fosse, feridos, doentes ou não, todos passámos pelas suas mãos nem que fosse para fazer uma consulta, pedir um conselho, uma ajuda ou uma palavra de conforto. Contudo, ao contrário, nunca ninguém viu o Dr. Pimenta em apuros, desorientado ou perdido face aos ataques e tiroteios, perante dificuldades e perigos. 
Como aconteceu a caminho de Nambuangongo, e podemos ver no filme respectivo da RTP "A Grande Arrancada", logo que havia tiros e feridos sempre o Dr. Pimenta aparecia imediatamente junto dos homens caídos na picada com os seus tratamentos adequados e mãos milagrosas com a serenidade como se estivesse no ambiente do hospital. 
E foi assim sempre, e abnegadamente, mesmo junto das populações locais como aconteceu no Caxito.
 Pensando bem, no fundo, de todos os homens do Esq. 149 ele foi sempre o mais forte de todos pois nunca ele nos pediu ajuda e todos nós, de algum modo, lhe pedimos socorro em horas difíceis. 
Mas, por outro lado, ele foi também o melhor de todos. Pois ele já nos disse uma vez que, a certa altura, foi convidado para ser promovido a Capitão e, porque isso acarretava ter de nos deixar, ele não aceitou para não nos abandonar e poder continuar junto de nós até ao fim da comissão e regresso do Esquadrão. 
Portanto a nossa dívida de gratidão perante o Dr. Pimenta é incomensurável. Logo, a nossa vinda hoje aqui não é mais que uma pequena prestação para amortização dessa dívida impagável.  
E que viva o Dr. Pimenta muitos anos para que possamos continuar a vir cá pagar muitas mais prestações. 

Évora, 28.04.2018 


O Dr. Pimenta, mesmo algo enferrujado como se auto-definiu e também emocionado, agradeceu a nossa lembrança de o visitar e não o esquecermos com palavras precisas de grande sensibilidade e grata memória dessa passagem inesquecível junto de nós, sua família adoptiva.
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 A palavra e o conhecimento, por si só. não faz o homem,
são as suas acções que o definem e confrontam,
as suas qualidades que o abaixam ou o alevantam,
as suas actitudes que o escondem ou o descobrem
quamdo nos momentos necessários, decisivos, apontam
o dever e agem a bem dos outros, que ajudam e socorrem.
Explico,
face à impossibilidade de proceder à evacuação
aérea dos feridos, sobretudo o grave que não aguenta
perder mais tempo, a equipa do Dr. Pimenta,
reúne todos os limitados meios que tinha à mão
e resolve operar ali mesmo no Quixico.
Foi uma noite inteira sem descanso cirurgiando
à luz deficiente de uma gambiarra
utilizando meios rudimentares.
Mas a vida e a perna ficaram nos seus lugares
devido à vontade e determinação do Dr, que as agarra
e devolve ao Soldado, donde se estavam escapando.
Bem haja abnegada gente que com garrotes e lancetas
evitaram mais um português morto ou de muletas. ..................................................................................................................................
 Poema "Operação Frontal II" do livro de José Neves "O esquadrão 149, a Guerra e os Dias"

sábado, 21 de abril de 2018

MORTO EM COMBATE




 Funeral e honras militares prestadas pelo 1º Pelotaão

No livro "História do Esquadrão de Cavalaria 149" do Dr. João Alves Pimenta editado em 1963 ainda em Luanda pode ler-se, sublinhado:

 
Era o Soldado nº 267/61 do 1º Pelotão do Esquadrão 149 e o Escoteiro do 2º Grupo dos Escoteiros de Portugal.
Morto em combate pelas 19H00 do dia 31 de Agosto de 1961pelo inimigo que, na picada para Quipedro e a 5Kms do rio Lué rodeada de mata cerrada, numa curva em cotovelo a 90º montou uma emboscada organizada com atiradores de frente e de lado relativamente à coluna militar.
O Aguiar vinha na 1ª viatura da coluna, um jipão, sentado ao lado do condutor e foi alvejado por tiro de arma de caça grossa com bala de corte cruzado na ponta que lhe trespassou e desfez o peito. No meio da coluna o inimigo atacou com armas automáticas FBP que abriram 23 buracos na carrocçeria da GMC onde vinham o Fur. Carita e o 1º Cabo Cardona.

 Sepultura do Soldado e Escoteiro Joaquim Ferraz de Aguiar
Em 1971, dez anos após ser morto em combate em Angola e enterrado à sombra de um imbondeiro junto do acampamento do Esquadrão 149 em Quipedro, os seus camaradas Escoteiros de Portugal empreenderam os trabalhos de trasladação do corpo para Portugal e deram-lhe uma sepultura condigna com todas as honras devidas no cemitério do Alto de S. João em Lisboa.

Uma investigação do 1º Cabo Cardona conseguiu não só constatar que o corpo do Aguiar havia sido trasladado de Angola para Portugal como localizar o memorial que representa a sua morada definitiva.
Certamente que, do Álém, o Aguiar há anos que espera que os camaradas de armas do Esquadrão 149, que foram seus amigos em vida e estiveram com ele no momento da morte, dêem sinal de sua amizade e camaradagem nesta sua nova morada.
Temos o dever de ir junto da última morada do Aguiar e deixar lá memória escrita de nós.

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Já nós subíamos o mesmo monte
que a coluna descia e levava às profundidades
do vale cerrado de mata (que foi o nosso Hades)
com o Rio ao fundo (que foi o nosso Aqueronte)
de águas caudalosas e a ponte destruída
que era a armadilha dos caçadores de vida,
quando um forte disparo se ouviu no ar.
Depois ouviram-se rajadas e as rajadas
do nosso lado, rajadas de morrer e matar,
rajadas de balas cruzadas,
rajadas cegas de brancos metidos numa gaiola,
rajadas falhadas de pretos a disparar e a dar-à-sola,
rajadas que deixaram marcas em viaturas furadas.

Mas foi o seco e forte disparo ouvido primeiro
quem deixou marca sangrenta de arrepiar.
Uma bala 12.7 rasgada na ponta entrou no peito
e saiu pelas costas feitas um buraco a sangrar
a vida e a alma e o futuro a que tinha direito
o Soldado 267/61, que fora o Escoteiro
Joaquim Ferraz de Aguiar.
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Excerto do poema "O Diário de Quipedro, o Lué IV" do livro "O Esquadrão 149, a Guerra e os Dias" de José Neves.          

quinta-feira, 12 de abril de 2018

EM MEMÓRIA: SOLDADO MANUEL FREIRE ROSA

1940 - 2018





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A travessia fora tão longa e difícil que provocou
na Tropa uma enorme necessidade de repouso
reconhecida por todos e pelo Comando
que autorizou à medida que a travessia se ia dando
a ida imediata para Quipedro, ao que o pessoal desejoso,
respondeu de pronto dirigindo-se à povoação que ocupou.
Ia ficando o pessoal ocupado nas duras tarefas
da travessia, ao qual se fazia uma justa rendição
de tempos a tempos, o que provocou catrefas
de trocas e baldrocas e muita confusão
entre quem seguira e quem ficara ou estava indo.
Foi assim, por entre todo este enredo
que entre o Rio Lué e Quipedro
o Soldado Rosa ficou dormindo.

Nunca na vida se vira tão sozinho no mundo
como quando acordou, do pesado sono oriundo,
e viu apenas a escuridão densa da mata
e sentiu o silêncio pesar toneladas
e um nó no peito que não desata
e um tremor de pernas derreadas
e um atropelo no pensamento
e uma mudez na fala
e um medo sem aguento
e uma fera ou uma bala
e uma cova ou uma vala
e um fim incógnito e inglório
sem velório
e um acordar do susto e da razão.
E ao analisar e medir a situação
reconheceu que apesar de só e perdido
ainda não tinha morrido.

Tinha passado aquele minuto de pesadelo
vivido, quando deu o primeiro passo
que lhe produziu um ruído como estranho
de propósito anunciando
a sua presença naquele espaço,
tal lhe parecera o barulho daquele gesto, pelo
que era preciso nem mexer um cabelo.
Em movimento lento ajeitou a farda
pôs o capacete e as cartucheiras
escutou o som da floresta e das clareiras
e agarrou na espingarda.
Com a alma feita em pedaços
prestes a ruir em escombros
ensaiou dar alguns passos
que lhe soaram novamente como guizos
e desse modo, pensou, eram precisos
que os pés fossem descalços.
Pôs as botas atadas aos ombros
veio à picada para ficar orientado
depois entrou na mata um bocado
medindo o peso de cada pegada,
caminhou sempre ao lado da picada
tentando abrir e vencer caminho,
vai tentando, tentando vai e vence-o
caminhando tão, tão de mansinho
que mal respira para não perturbar o silêncio.

Assim caminhou sempre como felino
que procura a presa,
neste caso uma esperança acesa
crente que não acabara o destino 
da sua alma de Soldado.
Depois de muito ter andado
numa solidão absoluta
pára, olha, ouve e escuta
ruído de motores e fala de gente
que aumenta lentamente
até ficar clara e ruidosa.
Eram os seus camaradas de Pelotão
que ao darem com o sobrevivente
caíram-lhe as lágrimas no chão
como água de uma torneira
regando Rosa dum jacto.
A morte ficou em jejum
naquela noite milagreira
que lhe deixou a vida e o corpo intacto
e de saúde, de que ainda hoje goza
o heróico Soldado raso 270/61
Manuel Freire Rosa.
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Excerto do poema "A Transposição do Lué  III" do livro de José Neves "O Esquadrão 149, a Guerra e os Dias"

sexta-feira, 9 de março de 2018

ESQUADRÃO 149 ANGOLA 1961, 'A GRANDE ARRANCADA'



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Nambuangongo era a glória que se persegue
tenazmente, dia e noite sem descanso.
 Que se ganhava tiro a tiro, vala a vala, lanço a lanço,
emboscada a emboscada, à guerra de corpo e alma entregue
na vâ ambição de ser o melhor, o primeiro
a chegar, pisar o chão e sentir o cheiro
do louro da vitória e obter a benesse
que tal feito merece.
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E agora estavam ali mil pares de olhos olhando
uma vila de casas queimadas e destruídas,
reduzida a destroços e escombros.
Eram quinhentos anos de império carregando
à cabeça e sobre os ombros
pilhas e pilhas de vidas, vidas e vidas
trágico-marítimas e condenados às galés
escravos e marinheiros engolidos pelas marés,
malfeitores brancos de cá deportados,
pretos de lá vendidos como gado em mercados,
hereges queimados em autos-de-fé,
gentios sujeitos à lei do indiginato,
mineiros a X em ouro por cabeça,
colonos desbravando selva e mato
não sobrevivendo à fome e à doença,
contratados para os campos de algodão,
contratados para as roças de café,
contratados para as terras de sisal,
contratados para as fazendas de palmares,
contratados para os engenhos de dendem,
contratados para as plantações de cana,
contratados para dormir e morrer no chão,
contratados para trabalhar a chicote e pontapé.
Contratados foram todos e nós também
pelo orgulhosamente só império de Portugal,
ali, em destroços, sob os nossos mil olhares
húmidos da água salgada que a alma derrama
sem glória, nem honra nem fama.
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Excertos dos poemas "Heróis de Ocasião" e "Nambuangongo" publicados por
José Neves no livro "Esquadrão 149, A guerra e os Dias.