sábado, 25 de agosto de 2012

QUIMBUMBE

Ao início da noite de 26Jul61, enquanto se montava o acampamento e sistema defensivo do mesmo, foi um Pelotão encarregado de montar uma emboscada no caminho previsível de aproximação do inimigo até junto do acampamento. O inimigo não deu sinal de si e o Pelotão, após horas de espera, regressou para junto do Esquadrão acampado.

Neste acampamento de Quimbumbe, o Esquadrão passou o dia e noite de 27Jul61. Neste intervalo de tempo recebemos como reforço adido ao Esquadrão, um Pelotão de Reconhecimento do Grupo de Dragões de Angola, no qual vinha integrada a equipa da RTP formada pelo jornalista Neves da Costa e o operador de imagem Serras Fernandes, os quais nos acompanharam até ao fim da operação Viriato.
Também foi realizado um reabastecimento no Ambriz, de víveres e rações de combate, efectuado por um Pelotão.


Também no dia 27Jul61, se realizaram várias saídas de grupos de militares apeados que bateram locais à volta do acampamento. Ainda puderam constatar a existência de sanzalas intactas por onde corriam desorientados animais domésticos e cubatas com lareiras acesas e panelas ao lume.
Ali vivia todo o pessoal familiar em apoio de trabalho de campo e logístico aos combatentes inimigos que guardavam aquele aquartelamento da UPA.


Nesta pausa do dia 27Jul61, o Capitão Rui Abrantes aproveitou para trocar impressões com os fazendeiros locais que nos acompanhavam como guias civis, grandes conhecedores do local e também dos hábitos e costumes tradicionais dos nativos e, desse modo, fazer para seu eventual uso, um retrato psicológico do inimigo que enfrentava naquela guerra.

Em 28Jul61, o Esquadrão levantou-se de madrugada lusco-fusco para arrancar em direcção a Quimbunda.
Mas, planeado de véspera, ao levantar-se a Tropa da cama do acampamento, feita de terreiro duro natural, já dois Pelotões tinham partido em missão de exploração e reconhecimento da picada e perigos que teríamos pela frente.
Foram encontradas grande quantidade de gigantescas árvores atravessadas na picada e numa dessa situações o pelotão da frente caiu numa emboscada donde resultou dois feridos sem perigo de vida que, após os primeiros socorros prestados pela equipa médica do Esquadrão, foram evacuados para o Ambriz.

Em Quimbumbe, por ordem expressa do Comandante Rui Abrantes, ficaram a guardar a posição atingida, o 1º e 3º Pelotões, este sem meios de transporte próprios.
Ficaram de parte o 3º Pelotão, primeiro sacrificado em combate e com feridos e ao qual lhe foram retiradas as viaturas, e o 1º Pelotão e, porque era o primeiro do Esquadrão, não fazia sentido ter sido preterido.
Com tal tomada de posição pelo Comandante, uma nova controvérsia havia de surgir entre o Comandante e os dois Alferes Comandantes destes dois Pelotões. Controvérsia que ultrapassava as questões militares propriamente ditas, e que nunca foram totalmente ultrapassadas, até hoje.
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Continuámos a desobstrução do itinerário principal,
(Aquele que leva ao objectivo final)
e recebemos em reforço, um pelotão de Dragões
montados em Panhards, e para nos acompanhar
trouxe uma equipa de dois repórteres da RTP
armados de muita fita e câmaras de filmar
e medos e receios que ninguém vê.
(iriam comer o pó connosco em várias ocasiões)
Desde então, foram horas e horas de registo ao vivo
de tiros, feridos, mortos, medos, coragens
e feitos, feitas imagens
que são testemunho em arquivo
à espera de poeira e serenidade.
Registos que fizeram do Esquadrão a estrela e o tema
do filme da nossa posteridade
gravado em celulóide de cinema.

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Do livro "Esquadrão 149 - A Guerra e os Dias" de autoria de José Neves

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sábado, 18 de agosto de 2012

AMBRIZ - QUIMBUMBE

A missão que nos fora atribuída pelo Comando do Sector 3 na Fazenda Tentativa, e então só revelada aos Oficiais, integrava a Operação "VIRIATO", cuja finalidade era a desobstrução do eixo que vai de Ambriz a Nambuangongo passando sucessivamente por Cavunga, Quimbumbe, Quimbumba, Casa Aberta, Bela Vista, Fazenda Matombe, Quimazangue, Zala e, finalmente o troço Zala-Nambuangongo, num percurso total de 180 Kms sempre em picada que, desde 15 de Março de 1961, nunca mais pisada por civis ou tropa.
Em Ambriz, tratou-se febrilmente dos preparativos para a "Grande Arrancada", como haveria de ficar conhecida em filme a partir das reportagens da equipa da RTP constituida pelo jornalista Neves da Costa e operador de imagem Serras Fernandes, que nos acompanharam em todo o percurso até Nambuangongo.
Fez-se o reconhecimento aéreo do terreno e uma operação experimental de reconhecimento com um pelotão do 149 e outro da Comp.ª de Artilharia nº 119, aquartelada em Ambriz desde Maio de 1961, conhecedora do terreno, que regressaram sem problemas pelo que elevou o moral e confianças das nossas tropas, as quais andavam receosas face aos comentários nefastos dos civis locais.

Às 6 horas de 25Jul1961, o 3º Pelotão reforçado com uma Secção de Sapadores, uma Secção de morteiro 8.1, uma Secção de lança-chamas e dois civis da região como guias, abriu as portas da guerra e iniciou a operação Viriato. Entrou em terreno do inimigo invisível, imprevisto e emboscado pronto a atacar e matar. O encontro e combate deu-se em Cavunga onde a informação previra um quartel da UPA comandada pelo célebre António Fernandes, antigo enfermeiro em Ambriz. Sofremos cinco feridos, um deles com alguma gravidade mas sem perigo de vida.
A nossa tropa regressou apreensiva e receosa do que lhe reservava tal operação, pois se, logo ao primeiro contacto com o inimigo, regressava com camaradas estendidos a escorrer sangue à vista.
Imprevisível, mas com mente de professor de estratégia e táctica da Academia aliada à sua natural intuição e pensamento de como lidar com tal guerra à lusitano Viriato de bate e foge(*), o Capitão Comandante, imediatamente ordenou que o mesmo Pelotão se refizesse e regressasse de novo ao mesmo local fazer a exploração do sucesso anterior consolidando a victória do combate e demonstrando ao inimigo que tinha pela frente uma tropa sem medo.
Após alguma controvérsia para convencer o Alferes Ribeiro de Carvalho, um dos mais jovens militares do Esquadrão e estudante de direito, sobre tal visão militar, este aceitou a decisão e cumpriu e executou integralmente a ideia militar e psicológica que o Comandante pretendia dar ao inimigo.
Foi ao Alferes Ribeiro de Carvalho que coube a heróica missão de abrir a porta da guerra, avançar directo ao inimigo e bater-se com ele sem ceder, apesar de iniciado e ter homens seus feridos a escorrer sangue à sua frente.
Além do recado deixado ao inimigo que estava perante uma tropa que procurava o confronto sem medo, o recado mais eficiente e moralizador foi para a própria tropa do Esquadrão que, sentiu a experiência viva de que pelo facto de ter havido um combate e feridos em dada situação e local não significa que haja sempre outro ataque igual estando as tropas na mesma posição. Os Soldados sobretudo, mas também os Alferes, Sargentos e Furriéis, sentiram que a guerra é, também e sobretudo, um estado de espírito e vontade geral de confrontar-se consigo próprio face ao inimigo que, sendo igualmente humano, está sujeito a estados de espírito diferentes e possíveis de mais apreensão e receio que os nossos.
A introdução dessa vantagem do estado de espírito, vontade e prontidão das tropas para enfrentar o combate é tarefa do Comandante. Isso ficou claramente provado com o episódio de Cavunga.

Face ao êxito do 3º Pelotão na sua segunda ida a Cavunga onde, depois de bater a zona do aquartelamento da UPA ali existente, recolheu algum material e documentação deixada no local pelo abandono apressado da posição até então estável.
Pela 05 horas da manhã de 26Jul61, o total do Esquadrão saiu do Ambriz em direcção ao Cavunga onde se reuniu com o 3º Pelotão às 08 horas.
Todo o Esquadrão reunido progrediu até Quimbumbe, após alguns ataques e fogos de capim ateados pelo inimigo. Aqui estabelecemos o acampamento e respectivos dispositivos defensivos da Tropa acampada.
Um episódio também revelador da inexperiência sobre aquela guerra foi, tal como as camas de ferro eram inadaptadas àquela guerra, e pelo contrário eram um obstáculo, e ainda bem que não as tivemos de carregar nem as vimos mais, também aqui, enquanto esperámos horas prontos sobre as viaturas pela partida definitiva do Ambriz, recebemos ordens, ora de carregar malas ora de descarregar malas, com as roupas e pertences pessoais.
Finalmente a ordem foi de deixar malas e levar a roupa imprescindível na mochila. Andámos dois meses sem o empecilho de malas, já nos bastava os constantes ataques e consequentes saltos imediatos e de roldão pelo jipão abaixo, o que com o jipão atafulhado de malas e bagagens, nos atrapalharia e tornaria alvos mais fáceis.
Só voltámos a ver as malas meses depois e após alguns banhos e lavagem de roupa, em pelo, nalguma paragem junto de rio ou ribeiro.

(*) - Uma das críticas que o Cap. Rui Abrantes fazia sobre a operação "Viriato", aquando das nossas conversas posteriores em momentos de confraternização do Esquadrão, era precisamente o facto do Comandante do Bat. 114 não ter sabido explorar a batalha travada em Anapasso, onde tivera vários mortos num ataque em massa do inimigo.
Se em vez de parar e se ficar acantonado a pedir reforços, tivesse reunido forças e avançado rapidamente sobre o inimigo não permitindo a sua reorganização, este, desbaratado, destroçado e desorientado face à derrota e perante dezenas de mortos nesse confronto, e dada a superioridade do armamento sobre o do inimigo, constatado nesse combate, o Bat. 114 teria chegado a Nambuangongo, sem parar, numa semana.

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1961, 26 de Julho, 5 horas da madrugada,
o Esquadrão estava disposto na picada
que ia para Cavunga, Quimbumbe, Zala.
Aguardava impaciente ordem definitiva de abalada
do Comandante Capitão.
Pois já se passara horas no carrega-mala, deixa-mala,
arranca-não-arranca, abala-não-abala
deixando a Tropa nervosa, que comenta e resmunga
àcerca do que se passara com o 3º Pelotão
enviado de novo para ocupar Cavunga,
depois de deixar os feridos ao cuidaddo dos Doutores.
Eram rumores, não houvera divergências no Comando,
fôra apenas acertos nos preparativos e na logística
segundo os Alferes que chegam e vão dando
ordem de preparar motores.
Por fim aparece o Capitão, sorridente e pronto,
confiante em pose histórico-militar-artística,
e como se estivera já em pedestal
levanta o braço e aponta ao encontro
do objectivo final.
Às 5 horas da madrugada, em ponto.

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Do livro "Esquadrão 149 - A Guerra e os Dias" de José Neves


domingo, 12 de agosto de 2012

VIAGEM PARA AMBRIZ

No dia 20Jul1961, saímos da Fazenda Tentativa para a vila de Ambriz, capital do Concelho que, naquela altura, englobava Nambuangongo e era limitada a Norte pelo Rio Loge e seu afluente Lué, ao Sul por uma linha que segue de Oeste para Leste os Rios Tó, Onzo, Lifune e Dange, a Ocidente pelo Atlântico e a Oriente pelos Rios Suege e Luica, afluentes do Dange.
Situada no Distrito de Luanda, fica distante desta cerca de 200Kms e é a povoação mais setentrional do litoral angolano.
Foi Praça-Forte no tempo de navegações comerciais confirmada pela sua elegante Fortaleza de guarnição para defesa de soberania, rotas e trocas comerciais.
Possui um porto de mar por onde se escoavam a maior parte dos produtos agrícolas da região, nomeadamente o café, seu principal produto e maior riqueza de Angola nesse tempo.
Em Maio de 1961, em comum com toda a região Norte, foi atacada pelos rebeldes da UPA, mas a ofensiva inimiga foi repelida com êxito, mercê da brilhante actuação de um Pelotão de Artilharia, heroicamente apoiado pela população civil.


Na operação de deslocação da Fazenda Tentativa para Ambriz, ao 1º Pelotão foi atribuida a missão de carregar os grandes atrelados dos Jipões de Secção, com camas de ferro individuais, daquele tipo usado nas camaratas dos quartéis.
Abalando horas depois do grosso do Esquadrão, na hora da partida os condutores aceleraram o máximo que permitia a picada de terra batida e, grande parte, de um areão duro coberto de areia solta pela pressão dos pesados rodados militares.
Numa curva ligeira coberta dessa areia solta, devido ao peso bruto do atrelado carregado, talvez maior do que o Jipão e pessoal de uma Secção em cima, e também devido à ainda nula experiência dos condutores naquelas condições, deu-se o pressentido acidente.
Avisado várias vezes para os casos já sentidos de o Jipão ser abanado pelo vergastar do pesado atrelado atrás, numa curva aberta e fácil mas que fazia lomba, o atrelado acabou mesmo por tomar conta do Jipão e, numa vergastada mais forte, arrastou o conjunto para fora da picada onde ficou tudo virado, sem contudo emborcar.
Felizmente as bermas eram zona plana de capim. Todo o pessoal da Secção foi projectado ao largo sobre o capinzal e também as camas de ferro que sairam pela capota despedaçada. Ninguém ficou ferido ou aleijado apesar da violência da chicotada sobre a viatura. As armas dos militares foram projectadas a dezenas de metros e depois foram precisas mais horas na sua procura que demorou a reposição das viaturas na picada.
Como lição e para memória futura, um carregador de pistola-metralhadora ninguém encontrou mais e lá ficou perdido e enterrado no capim mas não em nosso peregrinar pela guerra. Foi mais uma das muitas lições neste início de guerra que, por conta própria, aprendemos a temer e respeitar no futuro.
Este episódio é, ainda e sobretudo, revelador do estado de impreparação geral perante aquela guerra. Tudo aconteceu porque, à ultima hora, foram consideradas necessárias as camas de ferro usadas na paz dos quartéis tradicionais. Afinal as camas ficaram no Ambriz e nós passámos meses a dormir nos assentos sobre as viaturas ou na terra dura sob as viaturas; as tais camas nunca foram precisas nem as vimos mais, tal como o carregador do acidente, foram aprendizagem de guerra, daquela guerra diferente.






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A sombra das velhas mangueiras de enormes
copas, onde estacionámos, foi um regálo,
um repouso idílico, um breve e belo interválo,
sob o Sol dourado quente e o ar fresco da praia
deserta, propícia a sonhos com amores longe
àlerta, e que nos davam de vaia,
prevenindo dos perigos, males, doenças e fomes
que ao longo dos afluentes e do Rio Dange
haveriam de ser mato
durante a grande operação Viriato.


Do livro "Esquadrão 149 - A Guerra e os Dias" de José Neves

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segunda-feira, 6 de agosto de 2012

BAPTISMO DE GUERRA


O brutal ataque de milhares de homens da UPA, armados de catanas e canhangulos, sobre as Tropas do Bat. 114 junto ao rio Luica em Anapasso, fez que o Comando do Sector 3, face àquele ataque em massa do inimigo a cerca de 15Kms do Caxito e 20 Kms da Fazenda Tentativa, e face às informações recolhidas nessa altura, tomasse como iminente um eventual novo ataque de milhares de homens sobre aquelas localidades num movimento avassalador de massas humanas em direcção a Luanda.
Para interceptar e impedir tal movimento, foi dada ao Esq. 149, acabado de chegar de Luanda, a missão de organizar uma emboscada num ponto do itinerário possível do inimigo. Deslocados em viaturas um tempo e depois um longo tempo apeados e em grande silêncio por entre a mata cerrada, foram as tropas dispostas deitadas e alinhadas sobre o cume de uma elevação que dava para uma encosta de larga clareira riscada por vários carreiros de gentios.
Aí, desse modo e arma apontada com os dedos no gatilho, passámos horas intermináveis de temor, medos, tremuras e suores frios, de respiração suspensa e olhar fixado nos pontos em frente da mata de onde imaginávamos saísse uma mole de massa humana inimiga em hordas sucessivas.
Felizmente o inimigo não compareceu. E nós pudemos regressar ao acampamento na Tentativa depois de um baptismo de guerra sem o disparo de uma bala. Sentimos, contudo, convincentemente, que daí em diante a guerra, até quando silenciosa, era mesmo a sério e metia medo.

A 19 de Julho, junto do Estado Maior do Comando do Sector 3, o nosso Comandante Cap. Rui Abrantes, conhece a missão destinada ao Esquadrão 149. Nessa tarde, sob as gigantes e frondosas árvores da Fazenda Tentativa, o Comandante Cap. Abrantes manda formar todo o Esquadrão e informa as Tropas acerca de uma operação de grande dimensão, cheia de dificuldades e perigos à qual nos fora dada a honra de tomar parte.
E, grande conhecedor psicológico do crente camponês de Portugal, face aos rostos apreensivos dos Soldados, logo ali declarou convicto que não tivessem medo pois, tinha-lhe sido entregue uma caixa preta que detectava todos os terroristas quer estivessem à vista ou escondidos.
No dia seguinte, 20 de Julho de 1961, partimos aliviados de medos e confiantes no Comando, para o Ambriz.

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Entrincheirados atrás dos capacetes de aço
estendidos ao longo do cume da colina
perscrutando a noite e o silêncio que retina
no corpo de alto a baixo,
o peito colado à terra, senti-a estremecer,
(ou seria o coração aos saltos a bater?)
do medo que faiscava no espaço
que ia da cabeça dos Soldados a Anapasso
onde se dera terrível combate frente-a-frente,
entre espingardas tiro-a-tiro
e canhangulos e catanas braço-a-braço,


Do livro "Esquadrão 149 - A Guerra e os Dias" de José Neves
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