quinta-feira, 8 de novembro de 2012

QUIMAZANGUE. SOUSA


 

Às 16,00 horas de 2 de Agosto de 1961, com dois Pelotões de combate reforçados por um Pelotão de Sapadores, iniciou-se uma manobra em profundidade para atingir rapidamente Quimazangue no caminho para Zala.
Durante 23 horas, dia e noite sem interrupção, como ficara determinado pelo Comandante após análise da situação e definição da estratégia a seguir, manteve-se a caminhada eriçada de dificuldades com a picada continuamente impedida por enormes valas e árvores de gigantesco porte abatidas e atravessadas (abatizes).
Quando possível contornavam-se os obstáculos, mas as dificuldades eram tantas que a nossa progressão não ia além dos 800 metros por hora. A progressão nocturna surpreendeu o inimigo, pois encontrámos muitos trabalhos de preparação não concluidos para emboscadas.
Informações do Comando estimavam a concentração de 2000 homens do inimigo na defesa de Zala situados na zona da bifurcação para Nambuangongo.
Às 15,00 horas de 3 de Agosto de 1961, a 1 Km de Quimazangue, o 2º Pelotão quando removia mais umas das inúmeras "abatizes" colocadas para impedir a nossa progressão, sofreu uma emboscada da qual resultou a morte do 2º Sargento Sousa com um tiro de canhangulo.
A reacção dos nossos homens foi imediata com um pelotão perseguindo o inimigo, em fuga através da mata, e outro Pelotão arrancou em força para Quimazangue, ocupou o quartel local do inimigo onde encontrou documentos e uma oficina de fabrico de canhangulos.


Estacionámos em Quimazangue na noite de 3 para 4 de Agosto de 1961 e neste dia procedeu-se á evacuação do corpo do Sousa para Ambriz, após lhe serem prestadas as devidas honras militares, permitiu-se o descanso da Tropa muito fatigada.
Para grande alegria da Tropa houve distribuição de correio recebido por lançamento aéreo. Também por inadvertido e lamentável lançamento aéreo caíram do avião um par de botas militares que tombaram sobre um Soldado que dormia ferindo-o gravemente.
Ainda nesse dia, alguém se lembrou de, aproveitando as fitas adesivas amarelas das granadas de artilharia e morteiros, fazer letras e escrever nomes garrafais amarelos sobre capotas e pára-choques das viaturas. O Comando não se opôs e algumas viaturas ficaram cobertas de palavras-mensagens ao estilo de uma naif arte militar sob a forma de cartaz graffitti da época.
Durante a noite o acampamento foi atacado por atiradores inimigos do lado da sanzala de Quimazangue a cerca de 800 metros do nosso acampamento.



Entretanto, a Quimbumbe havia chegado uma Companhia de ocupação do local para substituir os 1º e 3º Pelotões ali aquartelados para defesa da respectiva área. 
Os nossos Pelotões, cumpridas as formalidades de substituição, arrancam imediatamente ao encontro do resto do Esquadrão estacionado em Quimazangue. Juntam-se ao Esquadrão na madrugada do dia 5 de Agosto em Quimazangue e vão colaborar activamente na batalha da tomada de Zala.


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 O CORREIO

A distribuição do correio
era a festa do acampamento.
O grande momento
ansiosamente aguardado, também com algum receio
das notícias boas ou más que vinham no envelope
que mal era recebido pelos Soldados se afastavam,
isolando-se, com as cartas nas mãos que abriam.
E liam ávidamente, de enfiada, d'um golpe,
vendo-se claramente do que as cartas falavam
porque enquanto uns ficavam contentes e sorriam
outros ficavam preocupados, de rosto pesado e sério.
E outros que liam e reliam as doces palavras da namorada
entusiasmados, atiravan-se sobre a manta estendida
no chão, que era a sua cama sempre feita,
ajeitando-se como quem com uma mulher se deita
ou como se estivesse alguma ali deitada
meiga e sorridente, aberta e pronta, toda oferecida
ao furor
desse doce e indicifrável mistério
que permite a dois amantes fazer amor
mesmo, como neste caso, afastados meio hemisfério.


AS BOTAS DESCALÇAS

Quem manda nas nossa vida
Que manda dum avião cair
um par de botas descalças
descer por linhas falsas
sobre um Soldado a dormir?
Porque razão haviam de vir
aquelas botas cegas e tolas
sem nada dentro do cano
(guiá-las-ia algum desumano
deus escondido entre as solas?)
acertar, como balas de pistolas
do calibre dum pé 40,
sobre o sono d'um Soldado
que dormia e foi acordado
pelo peito, sob a acção violenta
do par de botas que o rebenta.


PALAVRAS AMARELAS

As velhas viaturas vestidas
de letras amarelas lidas
vistas como escrita-imagem
nossa para o nosso inimigo,
davam-lhe a clara mensagem
da determinação e coragem
dos sem medo nem abrigo.
As fitas amarelas das caixas
de granadas feitas faixas
sobre capotas e pára-choques, 
para que o inimigo as visse
bem, não eram inúteis ad-hocs
foram palavras força-fetiche,
nova caixa e lenços pretos,
palavras imagem-amuletos,
sinais de moral alta sempre fixe.


Do livro "Esquadrão 149 - A Guerra e os Dias" de José Neves


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