sábado, 19 de março de 2011

GUERRA COLONIAL, 50º ANIVERSÁRIO

“Importa que os jovens deste tempo se empenhem em missões e causas essenciais ao futuro do país com a mesma coragem, o mesmo desprendimento e a mesma determinação com que os jovens de há 50 anos assumiram a sua participação na guerra do Ultramar”, afirmou o chefe de Estado, Aníbal Cavaco Silva.

O Chefe de Estado, Aníbal Cavaco Silva, não pode desconhecer as condições que levaram os jovens desse tempo, nosso tempo, a embarcar em navios superlotados de homens e tarimbas-cama de palha, para sofrer os perigos de morte e agruras de uma guerra a milhares de quilómetros de sua Pátria e familiares.

Os jovens desse tempo, nosso tempo, não foram para a guerra desprendidos e empenhados em missões e causas essenciais ao futuro do país, mas sim enviados obrigados a bater-se por causas de sobrevivência e honestidade individual, para além de uma vaga ideia de defesa da Pátria incutida pela informação oficial da ditadura. Eram, na maioria, jovens rurais simples e puros aldeões sem ideais de glória, enviados à força sem possibilidades de recusa o que levou a deserções e emigrações "a salto" para fugir à "guerra do ultramar".

Porque, lembro, nessa guerra os jovens caídos em combate eram enterrados à sombra de algum imbondeiro no mato, visto a Força Aérea, estar proibida de transportar mortos. Na realidade, os jovens cumpriram a sua parte mais que o dever impunha e honraram-se, mas ao governo da guerra apenas interessou a prestação dos sofrimentos e sacrifícios, para de imediato abandonar os sacrificados, sem cuidado nem honra.

E que não eram causas essenciais provou-o o facto de, após 9000 mortos e muitos mais feridos física e psicologicamente, tudo ter acabado, e tanto sangue e sacrifício dispendidos com entrega e abnegação, terem servido para nada.

Senhor Presidente, incentivar, os jovens de hoje, com o exemplo dos jovens forçados a suportar uma guerra, só pode alertar negativamente a actual juventude. Não é o tempo nem o caso justificava exortações de comportamentos guerreiros aos jovens de hoje. Foi um equÍvoco do Presidente e um mau recado para os jovens actuais.


terça-feira, 15 de março de 2011

UMA VISTA DO 15 DE MARÇO DE 1961

FOTO E COMENTÁRIO MANUSCRITO DE SARG. LEITÃO DO ESQ. CAV. 149


Na noite de 15 de Março de 1961 deu-se o grande massacre da UPA no Norte de Angola, início brutal e trágico da Guerra Colonial.
Desse massacre selvagem eu vi restos apodrecidos e ossos de corpos comidos pelas hienas. Passados cerca de quatro meses, em 30 de Julho de 1961, vi o fazendeiro Ribeiro, proprierário da pequena fazenda Matombe, na picada caminho de Ambriz-Zala-Nambuangongo, no terreno à volta da cubata sua casa, com um pau na mão a dar voltas a restos de corpos já putrefactos e irreconhecíveis à procura de sinais-pistas de identificação de seus familiares alí "capinados" naquele cruel 15 de Março.

Encontrou pedaços de pés em decomposição avançada que reconheceu a quem pertenciam pelas botas e sapatos que resistiram às feras e calçavam os seus familiares naqula noite de barbaridade. E vi as lágrimas incontidas saltarem da dor e aflição daquele pai e marido que ficara só e único naquela noite bárbara.
Vi-o esconder-se no interior da sua casa cubata semi-destruida para derramar o choro irrepimível sobre a mesma terra que fôra sua felicidade, obtida tão dura e suadamente.
Sobre a dádiva do suor e sémen, que fizera daquela terra e local a sua luta pela felicidade, caíra uma noite negra de morte de aço afiado ceifando humanos.
E não havia imprecações ou preces de vingança, num tal momento corpo e alma estão unidos, são um só, embebidos de uma paz interior que permite respirar sem sentir a vida.

Enquanto, também naquele mesmo momento a guerra, à sua e nossa volta, continuava bruta e cruel como naquela noite fatídica.


quinta-feira, 3 de março de 2011

CAMARA CLARA-ESCURO

CORTINA MIRABOLANTE (Nikias Spakinakis)

Estamos já em plena marcha acelerada para mais uma falaciosa conversa mediática sobre a guerra colonial para "assinalar" o cinquentenário do rebentamento dela em Angola.
O sinal visível de que se pretende transformar a Guerra, a real, a que se passou no terreno, as acções dos homens e das Unidades Militares, factos causas e factos consequências, em interpretações literárias sobre a Guerra, foi a conversa vista no programa cultural "Camara Clara" da RTP2. O jornalista Joaquim Furtado, o ex-ministro salazarista do Ultramar Adriano Moreira e a dona do programa, juntaram-se à volta de uma mesa repleta de livos. E encetaram, continuaram e encerraram a conversa à volta da Guerra esgrimindo as várias interpretações dos autores desses livros.

Provavelmente alguns desses autores nem estiveram lá e outros, muitos, mais provavelmente ainda, passaram pelos Serviços de Intendência ou Administrativos da Guerra e ouviram falar de histórias ou opiniões de guerra por terceiros que depois ficcionaram ou fantasiaram. A Guerra Colonial começa a transmutar-se na "história da guerra colonial" segundo as diversas interpretações dos factos e usos pessoais de estilizações literárias em proveitosas edições comerciais.

Ainda os protagonistas e testemunhos directos estão vivos e já se encetou a revisão e substituição da Guerra que vivemos de tiros e balas, de feridos e mortos, pela versão "distante" dos factos, isto é, pela versão interpretativa segundo o ponto de vista sociológico de cada intérprete ou historiador. Num programa cultural como "Camara Clara" era inevitável tal abordagem literária da Guerra. Espanta é que Joaquim Furtado, autor de uma série séria fundamentada nos intérpretes e nos factos acontecidos, se encontre frente ao salazarista A. Moreira e não o confronte com o seu apoio indiscutível a Salazar e à Guerra e sua efectiva responsabilidade nas nefastas consequências para o país e jovens combatentes obrigatórios. E pelo contrário se ponha a discutir floreados discursivos da dona e as nunca vistas, e só agora recordadas, intervenções de AM no sentido contrário à condução salazarista da defesa do Ultramar.

Embora presentes e bem vivos durante anos e anos, nunca os Comandantes das Grandes Operações militares no terreno do teatro de Guerra, foram ouvidos ou chamados a prestar testemunho sobre tais envolvimentos operacionais. Foi sempre dado voz, preferencialmente, às visões de pequenas histórias pessoais vividas no interior dessa grandes operações. E, quase inevitavelmente, o contador dessa história que viveu, coloca-se no centro da acção ou lugar do herói, fantasiando o episódio nesse sentido.
Uma mais fiel aproximação à verdade exige que o autor desapareça do centro de cena e mesmo do palco de acção, sob pena de cair na tentação pessoal de fantasiar em proveito próprio.

Exemplos típicos de episódios fantasiados ou de pura imaginação ficcionista literária, que circulam por livros de histórias da guerra colonial são, uma os casos mentirosos ficcionados por Lobo Antunes e outra é o relato, fantasiado até ao ridículo, da morte de Maneca Paca pelo Comandante Ten. Cor. Maçanita, na batalha do Luica no decurso da operação Viriato.
Se se continua a contar a história da Guerra Colonial pelas ficcções e fantasias de autores literários, teremos, não História, mas um bom guião cinematográfico