domingo, 31 de janeiro de 2010

DESONESTIDADES HISTÓRICAS III



HISTÓRIAS MAL CONTADAS

O livro editado pela Temas e Debates em 1996, "A Guerra de África (1961 - 1974)" de José Freire Antunes, contém um depoimento de Artur Agostinho que conta a história da reconstrução de uma ponte sobre o rio Lifune, da sua reportagem sobre Nambuangongo e depois com os Pára-Quedista em Quipedro. Esta úliima também repetida pelo repórter num dos livros que escreveu e volta a repetir na televisão sempre que é chamado a falar da Guerra Colonial.
Só que a história contada pelo grande repórter Artur Agostinho, além de ser uma trapalhada confusa de tempos, locais e situações que baralha totalmente a compreensão do que realmente se passou, é também ficcionada e dramatizada para colocar o repórter-autor-contador no centro do palco como herói do enredo dessa história.
Vamos por partes:


1) "A primeira coisa em que eu participei como repórter durante a guerra foi na Operação Lifune, em 1961, que foi a reconstrução de uma ponte que tinha sido destruida. Era muito perto de Luanda, mesmo no rio Lifune".
O rio Lifune é um rio que corre a norte do rio Dange e passa a cerca de cem quilómetros acima de Luanda. Atravessa a picada Caxito-Nambuangongo na célebre Ponte de Anapasso, onde o Bat. Caç. 114 teve o grande combate com centenas de inimigos armados de catanas e canhangulos. Esta ponte não foi destruida nem reconstruida naquele tempo.
Outra ponte sobre o Lifune havia na picada de Balacende-Roça Maria Fernanda à entrada dos limites da Roça Margarido. Esta ponte fôra destruida mas só foi reconstruida já em fins de Setembro de 1961, depois do Esq. Cav. 149 desobstruir a picada acima referida e fazer-se a ocupação da Roça Margarido. Esta ponte foi provisóriamente reconstruida sob a supervisão técnica do Alf. Mil. Engº. Jardim Gonçalves com protecção militar do Esq. Cav.ª 149, e não consta que estivesse por lá algum repórter e muito menos de nomeada como Artur Agostinho o que tormaria logo o facto inesquecível. Portanto, deve haver grossa confusão com o nome do rio porquanto o Lifune ficava e fica longe de Luanda mas também em plena zona de perigo e era precisa alguma coragem para lá ir e estar.




2) "Fiz essa reportagem simultaneamente para a Emissora Nacional e para os rapazes da televisão, que nessa altura tinham ido comigo. Era o Neves da Costa, que tinha muitas coisas filmadas".
Os repórteres da televisão eram os rapazes e o operador de imagem Serras Fernandes que acompanhava o repórter Neves da Costa não tinha dimensão para ter entrada na memória de Artur Agostinho.



3) "Eles organizaram duas colunas. Uma era comandada pelo Tenente-Coronel Maçanita e a outra era comandada por um oficial de cavalaria de que não me lembro o nome".
Mais uma vez o depoimento é feito ao estilo de conversa de café. A superficialidade das declarações retratam a leveza desatenta como lidou com os factos de guerra que pretendia relatar e agora pretende que façam a História escrita da Guerra Colonial. Não só, desta vez não se lembra do nome do comandante da coluna de cavalaria que arrancara do Ambriz, Capitão Rui Abrantes, como desconhece que havia uma terceira coluna que arrancara do Caxito a convergir para Nambuongongo: o Bat. Caç. 114 comandada pelo Tenente-Coronel Oliveira Rodrigues, Major Balula Cid e o Capitão de operações Lemos Pires.
Era impossível a alguém, especialmente enviado para noticiar a guerra que envolvia o país, que estivesse atento e minimamente preocupado com os acontecimentos e o seu trabalho no teatro de guerra, desconhecer as movimentaçõas das tropas e os principais actores militares dessa grande operação militar que consubstanciava também uma operação política.
O grande repórter, relativamente ao avanço sobre terreno do inimigo das três colunas militares que combatiam como bravos o inimigo emboscado, que tinham mortes e feridos quase diáriamente, que disputavam palmo a palmo o avanço nas picadas para ter a honra de ser o mais forte e primeiro a vencer o inimigo e ocupar Nambuangongo, considerada a posição estratégica e política mais importante na altura, diz:


"Havia um despique para ver quem chegava primeiro. Eu chamava àquilo o Benfica-Sporting de Nambuangongo".
O hábito de ser popular à custa do futebol dera-lhe esta visão crítica de frivolidade futeboleira sobre tão grave situação que envolvia todo o país num estado de guerra onde eram sacrificados jovens portugueses diáriamente. Pela leitura total do depoimento percebe-se rapidamente que o grande repórter andou na guerra sempre atarantado sem perceber o seu papel ou, provavelmente, com pouca coragem para enfrentar o seu papel. E deste modo, e por força do hábito, tendeu a ver a guerra como mais um jogo ao despique com bola que pode comentar-se galhofeiramente. Contudo o despique na guerra fazia-se noite e dia nas matas e picadas com balas e armas apontadas para matar e isso aterroriza o hábito de comentar futilidades em total conforto.

(continua)



terça-feira, 19 de janeiro de 2010

DA GUERRA II


ASPECTOS DA TOMADA DE NAMBUANGONGO

Segundo Tito Lívio, após a victória de Canas, Maárbal comandante da cavalaria, voltou-se para Aníbal e disse-lhe: "É indispensável que tires deste triunfo todas as consequências, que dele devem decorrer. Dentro de poucos dias deves jantar no Capitólio. Entendo que deves seguir quanto antes, eu te precederei com a cavalaria, de sorte que os Romanos venham a saber da minha chegada, antes de terem tido notícia da minha partida".
Aníbal recusou invocando tempo para meditar e reflectir acerca da marcha sobre Roma.
Maárbal retorquiu: "Sabes vencer, Aníbal, mas não sabes aproveitar-te da victória".

Em Julho-Agosto de 1961, em Angola, dos três Comandantes de forças militares empenhadas na tomada de Nambuangongo, apenas um teve a visão do general Maárbal e por coincidência também era o Comandante da coluna de cavalaria, o Esquadrão 149. Ainda antes da grande arrancada do Esquadrão do Ambriz, foi enviado, em exploração do terreno, um pelotão que foi atacado no Cavunga a 53 kms e regressou de noite, temeroso e aflito, com alguns feridos ligeiros. Imediatamente o Comandante, perante a perplexidade dos oficiais, deu ordem para o mesmo pelotão se preparar e avançar de novo para explorar a victória do Cavunga sem dar tempo à recomposição defensiva do inimigo. Este episódio deu discussão acesa entre Comandante e Alferes que atrazou o arranque definitivo do Esquadrão e foi motivo de duradoura discórdia entre ambos, embora o Alferes reconheça hoje a razão e justeza militar do sacrifício pedido, face ao sinal que tal acto arrojado representava quer para o inimigo quer para o interior da Unidade. Hoje o Alferes pode orgulhar-se de ter sido o primeiro a passar as portas da guerra, com feridos mas com sucesso e homens receosos mas confiantes combatentes já iniciados no fogo de combate.
Já houvera precedentes mas este foi o sinal claro da estratégia geral que estava na cabeça do Comandante e um aviso inequívoco de actuação futura dado a todos os oficiais, sargentos e praças sob seu comando. A surpresa era a táctica diária, explorar em força cada victória era a estratégia geral até ao objectivo final. Em Quimbunbe, após um segundo acampamento e analizada a actuação, forças e armamento do inimigo, o Comandante decide avançar de noite e dia sem parar, exactamente no sentido de chegar junto do inimigo antes que este soubesse da sua partida. E sobretudo estar sempre pronto a carregar sobre o inimigo e fazê-lo recuar mesmo que este infligisse feridos e mortos como aconteceu na batalha de Zala. Com tal rapidez e força de pressão contínua não foi possível ao inimigo colocar mais abatizes e alçapões na picada e de noite tornou-se inofensivo.
Constatado o sucesso prático do uso da estratégia definida , após um dia em Zala para hastear bandeira, com parada a rigor de Soldados sujos e sorridentes, rotos e ratos de guerra, no Posto Administrativo local, o Comandante quer impôr a marcha imediata para Nambuangongo, mas aqui a vóz dos subalternos foi mais forte devido aos feridos, à fadiga geral e sobretudo à falta de munições. O Comandante pensou arrancar com as condições existentes e uma força menor desde que pudesse contar com o pelotão adido de blindados ligeiros, mas este não aderiu e o Esquadrão ficou em Zala outro dia para ser reabastecido por via aérea através duma pista de terra capinada no momento. Na arrancada final de Zala para Nambuangongo manteve a mesma determinação de fazer a caminhada de noite e dia sem parar e foi confirmado o facto de que o inimigo estava impotente e sentia-se batido pois limitou-se a observar de longe a progressão sem intervir.
O Esquadrão 149 não foi o primeiro a jantar em Nambuangongo, tomou o pequeno almoço depois do jantar do Batalhão 96, mas também esta Unidade havia iniciado a operação dias antes e desobstruira um percurso mais curto. E foi notório e sentido pela tropa das duas Unidades em marcha sobre o objectivo final, que o Estado Maior da Operação Viriato se serviu da actuação fulgurante do Esquadrão 149, estimulando a competetividade para ser primeiro e obter os louros da conquista, as tropas mais próximas e assim atingir em tempo útil o objectivo militar que correspondia ao objectivo político da altura.

Por natureza própria ou por conhecimento e estudo, o Comandante Capitão Rui Abrantes, professor de táctica na Academia Militar, demonstrou na prática ter as qualidades e visão estratégica do grande Maárbal, pela lucidez em analizar as potencialidades próprias e do inimigo, pela argúcia, sagueza e capacidade estratégica, pelo comportamento exemplar na frente de combate, pelo respeito militar e humano quer frente aos seus homens quer perante o adversário, desde o primeiro dia conquistou a disposição e entrega total dos seus Soldados face a qualquer situação. E todos confiaram e corresponderam tão pronto, decidida e abnegadamente sob constante perigo de vida, que os regressados ilesos se sentem heróis vivos resgatados da companhia dos heróis feridos e mortos em combate, pela conduta, coragem e moral impostos, desde a primeira hora pelo comando do Esquadrão.


Publicado no blog apcgorjeios em 10.05.2007

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

DA GUERRA I

OS DOIS CONFLITOS


O instinto de defesa e sobrevivência criou e desenvolveu a faculdade guerreira, escola de guerra, e tal como as outras faculdades, coexiste no homem enquanto ser, sempre em duas frentes: a frente externa, física, que utiliza a violência bruta pela existência; a frente interna que usa a violência mental da razão sobre o instinto pela consciência. Assim sendo a guerra não é mais que o eclodir violento de um conflito travado entre o turbilhão de condições exteriores impostos à existência e a forte corrente de pensamento e vontades que desaguam na consciência.

Na existência do homem, em qualquer conflito coexistem sempre, interagindo entre elas, duas guerras em simultâneo: a física e a metafísica. Os livros que contam a história mais remota dos homens são verdadeiros relatos de guerras contínuas entre povos.
A própria Bíblia, mal Deus havia criado o mundo, logo relata os conflitos de Adão e Eva que continuam com Abel e Caím e por aí fora com David e Golias, Moisés e os egípcios e assim sucessivamente sem parar. Mas, como logo interpretam e explicam os teólogos, tais crimes e castigos são o mal menor necessárioo para salvar, exaltar e devolver o bem maior para a salvação humana. Até Deus, parece impotente, e é levado a dirimir guerras exteriores violentas com base em raciocínios de razões morais pesadas entre bem e mal.

Temos o caso da Ilíada que descreve a violenta e feroz Guerra de Tróia durante apenas dez dias de violência bruta, e pela amostra podemos supor o que foi tal guerra que durou vinte anos naquela ferocidade implacável. Também aqui, face ao impasse dos combates no campo de batalha apesar dos concílios e apoios dos deuses, mais uma vez foi através do conflito no interior do pensamento do homem envolvido nela, que se encontrou a solução para o desfecho da guerra: inventando a artimanha da imagem de um deus através da figura do Cavalo de Tróia que levava no bojo os mais valentes guerreiros gregos, o que permitiu o massacre final dos troianos e a destruição definitiva da Cidade.
Contudo, mais curioso e paradoxal ainda é que, tal livro de relatos de violência animalesca, foi mais tarde utilizado, como livro único para educação dos gregos, e com tal resultado que foi pai criador da civilização-mãe do maior império cultural existente que se tornou farol cultural do Ocidente, a caminho de farol cultural do mundo, e culturalmente incontornável.

Temos também, o livro de Sun Tzu que ensina como se deve utilizar a violência extrema para educar e fazer bons guerreiros e conta histórias de batalhas onde a violência é sempre implacável. Mas também este Mestre da Arte da Guerra nos ensina que prioritáriamente se deve pensar a estratégia e as tácticas dos exércitos em campanha e em combate e afirma que o melhor da arte de guerra consiste em: "atacar os planos do inimigo" e que "vencer o exército adversário sem o combater é o apogeu da arte". Extraordinário precursor da resolução vencedora pela prevenção de não guerra através da racionalização astuciosa do conflito interno.

Temos ainda, o livro de Tucídides sobe a Guerra do Peleponeso que relata outras batalhas igualmente ferozes e de violência sanguinária inacreditável à luz das regras e condição militar dos dias de hoje. E, tal como o autor afirma convicto, a causa fundamental da guerra foi: "O crescimento do poderio de Atenas e o alarme que provocou em Esparta tornaram a guerra inevitável". A Esparta meteu-lhe medo a grandeza e força de Atenas e esta subestimou o valor e força mental que uma humilhação acrescentava ao lendário valor militar espartano. Outra vez, por detrás do conflito de armas na mão, está um conflito mal resolvido no interior do pensamento das élites das duas Cidades e que levou à derrocada de ambas.
De assinalar, neste caso, o facto deste conflito, que sendo travado pela democracia ateniense onde imperava a mais profícua discussão público-filosófica racionalista sobre todos os temas do conhecimento, não se tenha resolvido bem o conflito pela racional descoberta da causa maior e primcipal que estava subjacente no desencadear das hostilidades.

Tivemos recentemente a II Grande Guerra que, além de utilizar a violência de guerra usual contra homens e bens, inventou e utilizou fábricas industriais adequadas para produzir morte em cadeia tecnológica. Quando se estudam e buscam as causas de tão brutal inumanidade, lá estão na primeira linha uma guerra interior de vontades de desforra e vingança, outra de grandeza e poder, acima dos homens, para criar uma utopia universal de índole racista. En suma, outro conflito de guerra brutal inumana, desencadeada pela má resolução racional de um conflito desenvolvido no interior da consciência.

E temos presentemente as "Guerras Santas" dos islamitas ortodoxos que usam de igual violência indiscriminada sobre militares ou civis, tal qual as antigas guerras de devastação total. Sem meios, por enquanto, para desenvolverem uma guerra de destruição maçiça dos "inimigos", promovem uma guerra de guerrilha a nível universal fundamentados em ordens do céu, divinas. Tal como as causas, que geraram e deram as guerras bíblicas, estas dos islamitas são também um desígnio de Deus, dizem, para justificação de suas acções. Novamente um conflito do pensamento entre os homens ainda não resolvido, que atiram as culpas da guerra para cima das costas largas de Deus, homens esses que sendo crentes ferverosos desse Deus todo poderoso, não acreditam que Ele possa resolver a contenda a seu favor sem recurso à brutalidade de destruir parte da humanidade.

E nós, portugueses, tivemos e sofremos a nossa Guerra Colonial em África, igualmente pela má resolução de um conflito mantido confidencial durante anos como tabú indiscutível, no interior do pensamento da élite governamental, tornado pensamento oficial. Milhares de jovens mortos, milhares deficientes físicos e mentais, são resultado da barbaridade da guerra inútil, para nada.
Impedida a discussão pública da guerra, deixada ao livre arbítrio exclusivo de uma personalidade de visão puramente heróica da Pátria, à maneira rural antiga ultrapassada, a guerra sob solução militar cada vez mais opaca e derrota cada vez mais à vista, acabou por gerar um conflito interno racional com vista a resolver o conflito externo violento.
Foi necessário recorrer ao uso de violência a favor da paz que: restabeleceu a paz exterior e promoveu a democracia internamente, isto é, resolveu conflitos de existência e de consciência que impediam os portugueses de acompanharem o mundo da frente. Mas, porventura, pensais que terminou a incessante vontade do homem aventurar-se no desconhecido e gerar continuamente os dois conflitos?

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

DESONESTIDADES HISTÓRICAS II

BATALHAS DA HISTÓRIA DE PORTUGAL, MAL CONTADAS.
O LIVRO


O livro abaixo assinalado pela respectiva capa, com o título "GUERRA DE ÁFRICA - ANGOLA, 1961 - 1974", editado em 2006 pela QuidNovi, com texto principal de Rui de Azevedo Teixeira, incorporado na colecção "Batalhas da História de Portugal", nº 22, coordenada pela Prof.ª Doutora Manuela Mendonça, Presidente da Academia Portuguesa de História, foi distribuido e vendido nas bancas com o jornal "Correio da Manhã" no mesmo ano de 2006.
Este livro, à data da sua venda ao público com o jornal citado, mereceu do Ex-Furriel Miliciano do Esq. Cav. 149, Adolfo Pinto Contreiras, o comentário transcrito nos dois post seguintes, enviado por carta de 22.03.2006, ao cuidado da Prof.ª Doutora Manuela Mendonça.




NOTA : ler os dois post seguintes para uma leitura da totalidade da crítica ao livro em questão.

DESONESTIDADES HISTÓRICAS II (Cont.)


BATALHAS DA HISTÓRIA DE PORTUGAL, MAL CONTADAS (Cont.)
A CARTA

De : Adolfo Pinto Contreiras

Gorjões, Santa Bárbara de Nexe
8005-448 FARO
BI nº 1164250
Combatente furriel miliciano do Esq.Cav. 149
Ref. : APC/2006.03.22


Para : Academia Portuguesa de História
A/C : Prof.ª Doutora Manuela Mendonça



Exma. Prof.ª Doutora
Presidente da Academia Portuguesa de História,


Terminada a leitura do livro de sua coordenação vendido com o “Correio da Manhâ” intitulado “Guerra de África, Angola 1961-1974”, e após chegar ao fim do capítulo “Anexo, A Operação Viriato” deparei com um enigma gigante o qual é o seguinte:
Como conseguiu a Doutora fazer desaparecer um Batalhão (~600 homens) mais um Esquadrão reforçado ~300 homens) da operação Viriato?
É que na página 93 está dito escrito preto no branco que «a operação Viriato esteve a cargo do Esq. Cav. 149, do Bat. de Caç. 114 e do lendário Bat. Caç. 96» e depois remete para o capítulo ”Anexo” a descrição minuciosa. Não sei por que artes mágicas o Bat.114 e o Esq.149 desapareceram da operação sem deixar rasto, terão fujido? Terão caído prisioneiros? Terão sido engolidos pela águas do Lifune (114 em Anapasso) ou pelas águas do Uembia (149 próximo de Nambuangongo)? Terá a operação que tinha três pés perdido dois e ficou perneta ou terá o historiador ficado cegueta com os raios da FBP de Maçanita e o raios do inferno de Maneca Paca? Enfáticas conjecturas minhas que estive lá ao vivo ou enigmáticas prestidigitaduras de historiador?


O enigma continua em Quipedro «a primeira operação de combate com lançamento em pára-quedas». Compreende-se, se o Esq.149 desaparecera a caminho de Nambuangongo como o podia ter visto alguém em Quipedro? O Artur Agostinho ainda viu «umas tropas» acampadas quando, branco de medo, se dirigia do DO-27 de asa ferida para o acampamento dos páras, mas o historiador nada viu desta vez cegueta pelo brilho do raio da boina verde, a primeira.


Para dramatizar o enigma o historiador faz reaparecer o Bat.114 com a missão de progredir sobre o eixo Caxito-Nambuangongo e várias unidades; Bat.Caç.137, Comp. Art. 119, Comp. Caç. 66 e 67 mantidas em quadrícula.
Sobre
o eixo Ambriz-Zala-Nambuangongo progrediu o olho cego do coordenador e de todas as “Referências Bibliográficas”.

Feito desaparecer por prestidigitação de historiador o Esq.149 da operação Viriato também teria de ficar na sombra dos «soldados portugueses de eleição» o Cap. Rui Abrantes, o homem que à frente do 149:

1. Iniciou Viriato arrancando de Ambriz a 26Julho1961.
2. Fez o percurso Ambriz-Zala-Nambuangongo, 180 Kms, o mais longo e não o menos perigoso.
3. Nunca esteve acampado mais que uma noite até ao dia 1Ag1961.
4. A partir de 1Ag1961 com 110 kms percorridos e a 30 de Zala decidiu avançar noite e dia sem estacionamento, o que foi um sucesso de rapidez e baixas.
5. A 7Ag1961 hasteou com formatura e clarins a bandeira portuguesa no Posto Administrativo de Zala.

6. Na noite de 7Ag1961 queria arrancar para Nambuangongo, a 44Kms, e não o fez
por oposição dos subalternos dada a falta de munições.
7. Arrancou de Zala às 13,00H de 8Ag1961 e chegou a Nambuangongo às 9,00H do
dia 10Ag1961, após 20 Horas sem paragens e 44 quilómetros percorridos.
8. Foi o único comandante de Viriato a perceber após os primeiros dias a fraqueza do inimigo em poder de fogo e preparação militar, por isso argumentou com os subalternos em Zala que chegava a Nambuangongo com três (3) pelotões incluindo o pelotão blindado do Dragões adido ao Esq.
9. Tendo à sua disposição menos de metade do efectivo das outras unidades de Viriato nunca pediu reforços de pessoal ou material.
10. No dia seguinte à chegada a Nambuangongo arrancou para Quipedro por dois itinerários diferentes e no dia 13Ag1961, quando os Páras foram lançados, já estava no Lué a 6 Kms da povoação.
11. Depois de uma estadia de 20 dias em Quipedro rodeado de inimigo por todos os lados(os Páras estiveram activos 3 e 3 dias à espera de vôo para Luanda), 2 mortos e 3 feridos graves evacuados, foi enviado para desobstruir e cortar a linha de fuga do inimigo da Pedra Verde pelo eixo Quijoão-Dange(transposição)-Pedra Verde, operação "Esmeralda" .
12. Conseguiu fazer passar o Esq. sobre o rio Dange construindo, com paus cortados à mata, lianas, arame farpado e bidons velhos, uma jangada que transportou viaturas com 14 toneladas sem o mínimo acidente e nada se perder. Um episódio odissaico e um milagre da determinação e improviso do soldado portugues.
13. Transposto o Dange sobre jangada feita à mão a 18Set1961 estava na Pedra Verde protegendo o acampamento das tropas que lutavam no morro.
14. A 24Set1961 já estava desobstruindo o itinerário Balacende-Roça Maria-Fernanda-Quimanoxe e libertando as roças Lagos & Irmão e Maria Fernanda.
15. Nunca consentiu a “blindagem” das suas viaturas com tábuas e latas, dando uma mensagem de força e não de medo ao inimigo, deixando os movimentos livres aos soldados, jamais dando ao nosso acampamento o ar de um bairro de lata.
16. Soube incutir nas tropas um moral, um estilo, um estar, uma união e ousadia tão elevada que durou todo o tempo de comissão mesmo sob outro comandante.
17. E tudo isto apesar dos 4 mortos e 40 feridos entre os quais 6 irrecuperáveis como consta do louvor dado pelo General Comandante da Região após 2 meses e as operações acima referidas.

Este é o lado de Viriato que o historiador não conta assim como não conta a acção do Bat.Caç. 114 que tinha a seu cargo o percurso mais curto mas o mais defendido pelo inimigo, distorcendo completamente a História como conjugação de factos e acções concorrentes de que resulta o facto histórico.
Neste caso quiz-se, à maneira épica (homérica), pôr um herói armado de FBP a comandar a História de Viriato e mais uns quantos heróis conhecidos espalhados pelos 13 anos de guerra a comandar a História da guerra em Angola.
Repare-se
que Aquiles é primeiro um não-combatente por amuo e depois um combatente feroz por vingança sem nobreza, restando aos outros o verdadeiro trabalho heróico e a Ulisses a manhosice.

Compreende-se como livro divulgativo comercial distribuido pelo “Correio da Manhã” mas o historiador não deveria transigir com o rigor histórico.

DSESONESTIDADES HISTÓRICAS II (CONT.)

BATALHAS DA HISTÓRIA DE PORTUGAL, MAL CONTADAS. (Cont.)
A CARTA (Cont.) E ADENDA

No arquivo da Região Militar de Angola certamente também estão os textos relativos às outras Unidades com a missão de tomar e ocupar Nambuangongo. Sem o seu enormre contributo de esforço a missão teria falhado e o Vosso livro contaria outra história, de outra operação, de outros heróis. Talvez:
- o brilho solar da boina dos Páras que o Maçanita impediu com ameaças tesas caso fossem lançados sobre Nambuangongo para colher os louros por sobre dezenas de mortos e feridos entre bravos que combatiam extenuados nas picadas.
- o brilho da brilhante visão militar e coragem do Cap. Rui Abrantes que em recurso e necessidade avançaria com o pelotão blindado dos Dragões e apoios, e atingiria o objectivo Nambuangongo rápidamente como posteriormente se constatou ser fácil.
- outra imaginária história qualquer pois que a tomada de Nambuangongo era o objectivo militar que correspondia ao objectivo político do regime e como tal haveria sempre uma solução de força.

Os factos acima relatados sei-os não de leitura mas de observá-los, vivê-los e senti-los. São uma realidade inapagável e de certeza encontram-se registados nos arquivos militares tal qual os mortos, feridos, evacuados, louvoures e condecorações do pessoal do Esq. Cav. 149. Mas se dúvidas existem pode-se:
- consultar o livro “História do E. Cav. 149 - Mais Faz Quem Quer do Que Quem Pode"” da autoria do Ten. Mil. Médico do Esq. João Alves Pimenta escrito durante as operações e editado ainda em Luanda em 1963.
- pedir junto da RTP o filme “A grande Arrancada” da autoria da equipa que nos acompanhou formada pelos jornalistas Neves da Costa e pelo operador Serras Fernandes.
- ler o livro “Esquadrão 149 – A guerra e os Dias” de José Neves que lhe envio e relata veridicamente os episódios e as operações relatadas por quem as viveu dia a dia.

Os meus cumprimentos
Adolfo Contreiras
Furriel Miliciano do Esq. Cav. nº 149


ADENDA DE HOJE
1. Rectificação
No "Anexo" para o qual o autor remete o relato minucioso da "Operação Viriato", constata-se que a operação, preparada e coordenada pelo Sector 3, sediado na fazenda Tentativa, Caxito, visava a progressão segundo dois eixos, um Caxito-Nambuangongo e outro Ponte do Dange-Muxaluando-Nambuangongo, respectivamente a cargo dos Bat. Cac. nº 114 e 96.
Só depois desta única referência é que o Bat.114 desaparece do relato "minucioso" da operação "Viriato" enquanto ao Esq. Cav.149 é-lhe dado "minuciosamente" um total desaparecimento dos factos em que fortemente andou empenhado com cerca de trezentos homens.

Nota: é insignificante a presente rectificação que não muda nem altera em nada o fundamento da crítica contida na carta sobre o essencial da leveza da interpretação histórica dos autores e responsáveis do livro.

2. Recomendação
Somos informados no livro em questão, que a tal descrição "minuciosa" dos factos é retirada da leitura, entre as pág. 20 e 33 do texto "Batalhão de Caçadores nº 96: história da unidade", publicado em 1963 pela Região Militar de Angola.
Recomenda-se vivamente que, em futuros trabalhos que se reclamam de fazer a História das Batalhas de Portugal, se consultem os documentos e relatos oficiais e, como ainda é possível neste caso, os testemunhos factuais ainda vivos, de todas as forças militares intervenientes, caso contrário não se faz História como Tucídides nos legou mas sim, o relato apologético de um herói preferido entre outros, com a finalidade de construir uma "Mitologia das Batalhas" e não da História das Batalhas da História de Portugal.