domingo, 31 de janeiro de 2010

DESONESTIDADES HISTÓRICAS III



HISTÓRIAS MAL CONTADAS

O livro editado pela Temas e Debates em 1996, "A Guerra de África (1961 - 1974)" de José Freire Antunes, contém um depoimento de Artur Agostinho que conta a história da reconstrução de uma ponte sobre o rio Lifune, da sua reportagem sobre Nambuangongo e depois com os Pára-Quedista em Quipedro. Esta úliima também repetida pelo repórter num dos livros que escreveu e volta a repetir na televisão sempre que é chamado a falar da Guerra Colonial.
Só que a história contada pelo grande repórter Artur Agostinho, além de ser uma trapalhada confusa de tempos, locais e situações que baralha totalmente a compreensão do que realmente se passou, é também ficcionada e dramatizada para colocar o repórter-autor-contador no centro do palco como herói do enredo dessa história.
Vamos por partes:


1) "A primeira coisa em que eu participei como repórter durante a guerra foi na Operação Lifune, em 1961, que foi a reconstrução de uma ponte que tinha sido destruida. Era muito perto de Luanda, mesmo no rio Lifune".
O rio Lifune é um rio que corre a norte do rio Dange e passa a cerca de cem quilómetros acima de Luanda. Atravessa a picada Caxito-Nambuangongo na célebre Ponte de Anapasso, onde o Bat. Caç. 114 teve o grande combate com centenas de inimigos armados de catanas e canhangulos. Esta ponte não foi destruida nem reconstruida naquele tempo.
Outra ponte sobre o Lifune havia na picada de Balacende-Roça Maria Fernanda à entrada dos limites da Roça Margarido. Esta ponte fôra destruida mas só foi reconstruida já em fins de Setembro de 1961, depois do Esq. Cav. 149 desobstruir a picada acima referida e fazer-se a ocupação da Roça Margarido. Esta ponte foi provisóriamente reconstruida sob a supervisão técnica do Alf. Mil. Engº. Jardim Gonçalves com protecção militar do Esq. Cav.ª 149, e não consta que estivesse por lá algum repórter e muito menos de nomeada como Artur Agostinho o que tormaria logo o facto inesquecível. Portanto, deve haver grossa confusão com o nome do rio porquanto o Lifune ficava e fica longe de Luanda mas também em plena zona de perigo e era precisa alguma coragem para lá ir e estar.




2) "Fiz essa reportagem simultaneamente para a Emissora Nacional e para os rapazes da televisão, que nessa altura tinham ido comigo. Era o Neves da Costa, que tinha muitas coisas filmadas".
Os repórteres da televisão eram os rapazes e o operador de imagem Serras Fernandes que acompanhava o repórter Neves da Costa não tinha dimensão para ter entrada na memória de Artur Agostinho.



3) "Eles organizaram duas colunas. Uma era comandada pelo Tenente-Coronel Maçanita e a outra era comandada por um oficial de cavalaria de que não me lembro o nome".
Mais uma vez o depoimento é feito ao estilo de conversa de café. A superficialidade das declarações retratam a leveza desatenta como lidou com os factos de guerra que pretendia relatar e agora pretende que façam a História escrita da Guerra Colonial. Não só, desta vez não se lembra do nome do comandante da coluna de cavalaria que arrancara do Ambriz, Capitão Rui Abrantes, como desconhece que havia uma terceira coluna que arrancara do Caxito a convergir para Nambuongongo: o Bat. Caç. 114 comandada pelo Tenente-Coronel Oliveira Rodrigues, Major Balula Cid e o Capitão de operações Lemos Pires.
Era impossível a alguém, especialmente enviado para noticiar a guerra que envolvia o país, que estivesse atento e minimamente preocupado com os acontecimentos e o seu trabalho no teatro de guerra, desconhecer as movimentaçõas das tropas e os principais actores militares dessa grande operação militar que consubstanciava também uma operação política.
O grande repórter, relativamente ao avanço sobre terreno do inimigo das três colunas militares que combatiam como bravos o inimigo emboscado, que tinham mortes e feridos quase diáriamente, que disputavam palmo a palmo o avanço nas picadas para ter a honra de ser o mais forte e primeiro a vencer o inimigo e ocupar Nambuangongo, considerada a posição estratégica e política mais importante na altura, diz:


"Havia um despique para ver quem chegava primeiro. Eu chamava àquilo o Benfica-Sporting de Nambuangongo".
O hábito de ser popular à custa do futebol dera-lhe esta visão crítica de frivolidade futeboleira sobre tão grave situação que envolvia todo o país num estado de guerra onde eram sacrificados jovens portugueses diáriamente. Pela leitura total do depoimento percebe-se rapidamente que o grande repórter andou na guerra sempre atarantado sem perceber o seu papel ou, provavelmente, com pouca coragem para enfrentar o seu papel. E deste modo, e por força do hábito, tendeu a ver a guerra como mais um jogo ao despique com bola que pode comentar-se galhofeiramente. Contudo o despique na guerra fazia-se noite e dia nas matas e picadas com balas e armas apontadas para matar e isso aterroriza o hábito de comentar futilidades em total conforto.

(continua)



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